Uma tensão subcutânea alastra-se pela cidade.
Imperceptível para os maus observadores, óbvia para os de olfato apurado.
Nesse cinza chumbo, como as balas que cruzam o céu, andava numa tristeza de morte.
Sobre suas costas, apenas o peso de sua mochila.
E do mundo.
Eis que, no meio do melancólico cinza, irrompe, fugaz e cintilante, uma faísca laranja no meio da rua, tão chamativa quanto imperceptível.
Singrava entre os transeuntes, indo de um lado ao outro da calçada, em passadas sincopadas no ritmo de uma música que, ao fundo, se ausentava. Havia mais vida naquelas pernas que no par de olhos que, atento, fitava-lhe.
Enquanto via aquelas pernas entrelaçarem-se de forma zombeteira, aquele corpo contorcer-se alegremente, ao cintilar alucinante daquela faísca, algo incrível acontecia: o seu interior cinzento transmutava-se em laranja.
Ao fim daquela dança, a faísca apagou-se de um sopro e um alvo sorriso abria-se naquela face negra como quem lhe dissesse: ainda é possível ser feliz na cidade do Rio de Janeiro.