30 de set. de 2017

Faísca em chamas

Uma tensão subcutânea alastra-se pela cidade. 

Imperceptível para os maus observadores, óbvia para os de olfato apurado. 

Nesse cinza chumbo, como as balas que cruzam o céu, andava numa tristeza de morte.

Sobre suas costas, apenas o peso de sua mochila.

E do mundo.

Eis que, no meio do melancólico cinza, irrompe, fugaz e cintilante, uma faísca laranja no meio da rua, tão chamativa quanto imperceptível. 

Singrava entre os transeuntes, indo de um lado ao outro da calçada, em passadas sincopadas no ritmo de uma música que, ao fundo, se ausentava. Havia mais vida naquelas pernas que no par de olhos que, atento, fitava-lhe. 

Enquanto via aquelas pernas entrelaçarem-se de forma zombeteira, aquele corpo contorcer-se alegremente, ao cintilar alucinante daquela faísca, algo incrível acontecia: o seu interior cinzento transmutava-se em laranja. 

Ao fim daquela dança, a faísca apagou-se de um sopro e um alvo sorriso abria-se naquela face negra como quem lhe dissesse: ainda é possível ser feliz na cidade do Rio de Janeiro. 

8 de abr. de 2017

Minha égua.

Acho que foi Machado de Assis quem comparou sua imaginação a uma égua. Qualquer brisa lhe dava um potro e lá ia ela galopando pelas pradarias afora. Não consigo pensar em outra definição melhor de imaginação e era só nisso que eu pensava enquanto eu fitava aquela mulher do outro lado do metrô. 

O motivo era simples: ela me lembrava alguém que eu conhecia. Eu sempre tive uma memória muito boa para as feições das pessoas, embora não tão boa assim para os seus nomes. E enquanto eu mirava aquela mulher ali, em pé, no fundo do metrô, eu tentava me lembrar quem ela era. 

Minhas reminiscências me levaram a uma caloura minha. Pegamos algumas matérias juntos no início do curso, porque ela havia adiantado as matérias de Direito Penal. Achei estranho ela não ter me reconhecido, já que sempre nos falávamos e eu percebi que fazia muito tempo que não a via. Aí eu me lembrei o motivo: ela morreu em um acidente de carro com o namorado quando estávamos nos períodos intermediários do curso. 

Corta. Volta para o primeiro parágrafo. 

Aí entra a imaginação. 

Na minha mente começaram a surgir várias teorias ligando a mulher desconhecida a minha falecida caloura. Eram irmãs? Gêmeas separadas? Ela tinha voltado dos mortos? Ela estava no Nepal com Élvis esse tempo todo? Eventualmente aquela estranha se tornou uma mãe desesperançosa buscando superar a dor da perda de sua filha. 

Eventualmente eu desliguei meus pensamentos dessa mulher e passei a refletir sobre outras coisas. Vocês ficariam surpresos se soubesse o que é capaz de passar pela minha cabeça em uma hora nos trilhos do metrô. 

Vi um lugar vazio, num daqueles bancos virados para o corredor e sentei. Duas estações depois, a mulher sentou exatamente de frente para mim. O que, naturalmente, fez com a minha imaginação fosse novamente a galope. 

Não que ela parecesse se importar, já que ela estava muito absorta digitando em seu celular. Presumivelmente, no WhatsApp. Como o sinal dela funciona no metrô, jamais entenderei. Eis que, no meio de um fluxo incessante de mensagens, ela subitamente para e começa a encarar o ar com a boca aberta como se fosse um Peixe Lua. 


GLUB GLUB GLUB

Em questão de segundos, ela passou a movimentar sua cabeça freneticamente, direcionando o seu olhar para diferentes direções, sem parar em um ponto fixo. Algo que, curiosamente, um Peixe Lua é incapaz de fazer, uma vez que desprovido de pescoço. Aquilo me chamou muita atenção, naturalmente. Como se o seu aspecto insólito já não fosse o suficiente, ainda havia toda uma carga imaginativa e emocional por trás que rapidamente pôs a minha égua a galopar a toda velocidade pelos verdejantes campos da estação Siqueira Campos. 

Enquanto a fitava, intensamente, ia pensando o que poderia ter causado aquela cara de espanto. Algo grave? Algo bom demais para ser verdade? Sua filha encontrada? Outra filha perdida? A partir daí passei a me desprender dela e comecei a me aprofundar nas diferentes dimensões do sofrimento humano e na  eterna miséria que é a vida. Neste momento eu percebi que ela também me olhava, séria, de volta. Fiquei constrangido.

Veja bem, é comum que eu me perca em meio aos meus pensamentos. Principalmente nessas situações que eu não tenho nada para fazer. Em geral, nessas horas você pode ver meu olhar, sério e meio opaco, direcionado intensamente para um ponto fixo, em geral durante longos períodos de tempo. Pode ser qualquer coisa: um sapato, uma placa, as luzes de uma pista de dança (sim, já aconteceu mais de uma vez e, sim, eu parei subitamente de dançar em todas as ocasiões) enfim, qualquer coisa. 

O ponto fixo, no caso, era a mulher. 

E, enquanto nos encarávamos, ela séria e eu constrangido, vi que o trem se aproximava de mais uma estação e fiz o que qualquer um faria: levantei sorrateiramente, saí do trem e troquei de vagão para evitar uma situação potencialmente constrangedora, aproveitando para jogar o copo vazio de milk shake que estava na minha mão desde o centro no lixo. 

Obviamente não me desculpei com a mulher pelo transtorno causado, embora eu sinta que devesse.

Ela não entenderia.

18 de fev. de 2017

Moreira Franco e a falência do Direito

Um dos hot topics do Direito, aqui no Brasil, hoje é a aplicação dos precedentes, que passou a ser regulada no Novo Código de Processo Civil (NCPC, para os mais íntimos). Bom, a esse momento você já deve estar se perguntando: (i) o que são esses precedentes; (ii) como e porque eles se aplicam e (iii) porque eu estou lendo isso ao invés de ver o jogo do Vasco que está passando agora?

Eu garanto que tudo será respondido em seu devido tempo, mas antes peço apenas a sua paciência, meu caro leitor. Não saía do seu computador agora. Sério. Você já viu esse time do Vasco jogando? Não vale a pena.

Bom, agora vamos por partes. Em primeiro lugar,  o que são precedentes? Vou explicar da forma mais simples possível só que, antes de tudo, eu preciso esclarecer qual a origem deste conceito jurídico. Trata-se da pedra de toque do chamado sistema da common law, adotado pela Inglaterra e pela maioria dos países de origem anglo-saxônica e também por suas ex-colônias. Nele, ao contrário do que ocorre aqui no Brasil, o direito é governado pelo corpo de decisões jurídicas tomadas pelos juízes no exercício de suas atribuições. Tanto é que, nesses países, o precedente é comumente definido como a rule of law, uma regra de direito, possuindo caráter vinculante (binding) sobre as demais decisões a serem tomadas.

Trocando em miúdos: um precedente é uma decisão judicial que gera uma norma jurídica e que vincula todas as decisões posteriores a ele. Obviamente a discussão é bem mais complexa do que isso e existem diferentes tipos de precedentes e nem todos operam da mesma forma, mas para entenderem até onde eu quero chegar esta definição será eficiente.

Certamente, quando chegamos no conceito de precedente, a pergunta óbvia a ser feita é: e se eu não quiser aplicar um precedente, como faz? Bom, existem duas técnicas para se evitar a aplicação de um precedente: o distinguish (distinção) e o overruling (superação). A última é a mais simples de se entender, ela deve ser aplicada quando haja alguma nova situação ou mudança - em geral normativa - que torne o precedente obsoleto. Já a distinção ocorre quando, ao comparar o precedente aplicável com o caso concreto, o juiz constata que existem diferenças entre ambos. A partir daí, ele dá sua decisão original e um novo precedente é criado.

Esse debate se tornou importante no Brasil porque o Novo Código de Processo Civil regulou e tornou obrigatório o uso dos precedentes no país. Eu acho essa postura muito errada por diferentes motivos, começando pelo fato de que, com uma canetada, o legislador pretendeu instituir no país um sistema alienígena que surgiu, de forma orgânica, ao longo de séculos de desenvolvimento em países com um sistema jurídico bem diferente do nosso. O principal motivo, contudo, para eu ter a mais absoluta convicção de que isso jamais dará certo no Brasil é que os próprios juízes não parecem entender bem esse conceito. Com efeito, não é raro ver juízes e tribunais desconsiderarem os próprios precedentes nos seus julgamentos e o caso mais recente veio de quem deveria dar exemplo para todos: o Decano do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, decidiu que Moreira Franco pode assumir um Ministério para evitar a perseguição implacável da Lava Jato.

Verdade seja dita, a decisão dele, em si, não foi ruim. Eu concordo com os argumentos jurídicos que ele levantou: além de decidir pela ilegitimidade da Rede para propor a ação, ele disse que a nomeação como ministro é discricionária e não necessariamente feita de má-fé e que o Supremo ainda poderia atuar no processo criminal, ele seria investigado normalmente etc. Convenhamos, o que mais o Decano da corte poderia fazer? Admitir a falência do tribunal? Além disso, como eu já dizia quando o Lula foi indicado, a rigor ele está certo. 

Enquanto eu vi muita gente que nem leu a decisão - e muitos que sequer teriam entendido caso a lessem - metralhando o ministro pelos seus fundamentos, me deixou chocado que o ponto mais gritantemente criticável da decisão passou batido: o ministro simplesmente IGNOROU um precedente do próprio Supremo. Não teve distinguishing, não teve overruling. Foi puro e simples desrespeito a um aspecto tão básico do direito. 

Aí eu pergunto: se nem o Decano do Supremo observa seus precedentes, quem vai observar? Se os juízes decidem o tempo todo de forma diferente conforme o caso, para onde vai a segurança jurídica no Brasil? A partir do momento que se torna legítimo, e é isso que vem acontecendo por aqui, que os juízes flexibilizem ou alterem a aplicação da lei sem qualquer critério técnico, o Direito passa a ser única e exclusivamente a moral do julgador. Isso é perigosíssimo. E não vai ser um sistema mal-ajeitado de precedentes que vai nos salvar.

11 de fev. de 2017

Desabafo de um carioca

Os últimos dias tem dado muito material para pensar. 

Na verdade, os últimos anos tem sido assim. Eu lembro de um professor de história que tive no colégio e que costumava dizer que certos anos eram, nas palavras dele, "cabalísticos", anos em que todos os acontecimentos são grandiosos, por uma perspectiva histórica, e eventos que moldam gerações se sucedem com uma velocidade estonteante. Eu tenho certeza que estes anos que vivemos serão, no futuro, lembrados assim.

Em outras palavras, nós somos o David Luiz olhando o Khedira tabelar na área sem entender nada.

E essa foi mais uma semana cheia e nada foi mais chocante do que a greve da PM no Espírito Santo. Ou, como eu gosto de chamá-la, o absurdo de achar que um salário atrasado vale mais do que 100 vidas. Não vou me alongar nesse assunto, mas essa greve só escancara tudo que sabíamos que estava errado com a PM.

O que mais me choca é o quão rápido nós passamos da civilização à barbárie. Não tem uma semana e, segundo relato confiável de uma amiga que mora lá, os supermercados estão fechados, quem não estocou comida não tem mais o que comer e as pessoas estão trancadas em suas casas. 

Em uma semana.

Sem a PM. 

Pensem no que a PM representa como instituição e na qualidade habitual do seu trabalho e você vai dimensionar o quão absurdo,  ridículo e absolutamente surreal é isso ter acontecido sem uma instituição pífia e violenta como a PM e de forma tão rápida.

É de cair o cu da bunda.

Isso me atingiu de forma muito forte por alguns motivos.

Primeiro, eu sou humano e tenho empatia. Segundo, eu ainda tenho alguns amigos que moram lá. Terceiro, rolaram boatos de que teria greve igual aqui no Rio. Hoje a gente tá rindo do áudio do Peixoto, mas não tinha uma alma viva sem medo na noite de quinta-feira e nenhum carioca saiu de casa antes de checar facebook, twitter, TV, jornais e ligar para amigos perguntando se estava tudo bem.

Mas o principal eu ainda não falei: como carioca, eu sei muito bem o que é conviver com a decadência. Tem pelo menos uns 100 anos que a gente lida com isso diariamente. E o que eu vi no Espírito Santo essa semana me assustou não só por vislumbrar isso num futuro imediato - através da ameaça de greve igual aqui - mas também porque eu consigo ver isso no nosso futuro. 

Antes de continuar, eu queria perguntar uma coisa: você lembra do Robocop? Isso, aquele policial robô dos anos 80. Não, não vamos falar daquele remake horrível dirigido pelo Padilha, vamos focar no original que era melhor. Se você lembrou do filme, é bem provável que você se lembre do buraco negro no qual ele se passava: Detroit. Outrora uma das grandes potências do país e coração da indústria automobilística, ostentando alguns dos maiores padrões de vida dos Estados Unidos, hoje em dia a cidade não é sequer uma pálida sombra daquilo que fora.

E essa decadência não é novidade. Já era assim na época do Robocop. O que rolou foi o seguinte: com a derrocada da indústria norte-americana e as mudanças no mercado, com fábricas saindo cada vez mais do país em busca de mão de obra barata, a situação em Detroit rapidamente degringolou. As pessoas saíram da cidade em massa, ao ponto de hoje existir um déficit habitacional. Dentre as grandes cidades dos EUA, é a que possui os maiores índices de violência.

O que eu quero dizer é que a decadência é possível.

E, em nosso caso, provável.

Vamos olhar para como o Rio estava no começo do século passado: capital da República, centro econômico e cultural do país. Esse foi nosso auge. Depois disso, foi só decadência. 

A capital passou para Brasília. São Paulo rapidamente ganhou a primazia econômica e vem se firmando de forma cada vez mais agressiva no cenário cultural nacional. Acho que o Rio só não caiu na irrelevância ainda porque a Globo é daqui. Quanto mais a cidade aguenta?

Olho para o Rio hoje e vejo uma cidade com índices irreais de violência. Tiroteios, assaltos e outras coisas. Serviços péssimos. Engarrafamentos colossais. Nenhuma qualidade de vida. Eu olho para o Rio e vejo um buraco enorme na economia, um estado falido e uma população desesperançosa. 

É assim que começa.

Quanto tempo para as pessoas começarem a querer sair daqui? Cada vez mais amigos meus - e eu incluso - dizem que não vislumbram futuro aqui. Mais importante: quanto tempo até as pessoas que investem na cidade decidirem que aqui não é mais um local bom para seus negócios. O que vem depois? Desemprego? Decadência? Detroit?

Não sei e nem tenho como saber. Isso é algo que ninguém pode prever. E por mais que muitos procurem se manter otimistas, confesso que a cada dia que se passa eu me convenço que a única saída do Rio é mesmo o Galeão.

Moraes foi um erro, mas não pelo que te disseram

Muito foi dito, escrito e gritado sobre o novo Ministro do STF, Alexandre Moraes. Sim, Ministro. Vocês estão querendo enganar quem achando que ele não vai passar na sabatina? Que, inclusive, já foi adiantada. Aquilo no Senado é só para formalizar. Enfim, muito já foi dito e, dentro desse muito que foi dito, a maioria foi de gente contrária à indicação dele. Na verdade, tirando o Lênio Streck, que o fez de forma bastante irônica, ninguém o elogiou. 

Isso acontece porque a indicação acontece porque a indicação foi uma merda mesmo. O Moraes está mais longe de ter o perfil esperado para um Ministro do Supremo do que eu estou do sonho de namorar com a Gisele Bundchen (obrigado, Tom Brady). 

Entretanto, a maioria dessas críticas detona o Moraes pelos motivos errados. Poucas pessoas passam do moralismo trivial ao se referirem ao cabeça de pirulito, digo, ao Ministro Moraes. Só aqui, com exclusividade, você lê uma crítica séria, sóbria e sem moralismos, sem mimimis e sem frescuras sobre o porque nomear o Moraes para o STF foi uma tremenda cagada do Temer. 

Do que vi, li e ouvi por aí, podemos separar os argumentos em três grupos principais: (i) foi uma indicação política do Temer; (ii) o Alexandre de Moraes não sabe o suficiente de Direito para ocupar o cargo e (iii) ele foi advogado do PCC. Todo o resto é variante de um desses. Por trás de cada um desses se esconde um moralismo ou um boçalismo. O meu objetivo é desbancar cada um deles para, depois, falar porque ele foi um erro.

Bom, vamos lá. O Moraes foi uma indicação política. Óbvio que foi. Para quem não sabe, estamos falando de um homem que uniu, em sua carreira, os ideais do concurseiro e de quem segue carreira na área privada: desde que virou procurador tem se dedicado a bajular políticos para progredir rapidamente dentro do funcionalismo público. Foi dessa forma que ele chegou à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, depois ao Ministério de Justiça e depois ao Tribunal Federal (tá difícil chamar ele de Supremo hoje em dia). 

Além disso, era necessário que o Temer se livrasse dele e, ao mesmo, tempo impossível. Verdade seja dita: ele geriu de forma mais pavorosa que a sua brilhante careca as revoltas que eclodiram nos presídios Brasil e, mesmo antes disso, seu desempenho no cargo já vinha sendo, no mínimo, catastrófico. Obviamente já tinha gente pedindo a cabeça dele, inclusive dentro do PMDB. Ao mesmo tempo, o Moraes é filiado ao PSDB e homem de confiança do Temer. Não tinha como ele sair sem causar um desequilíbrio na base aliada. Dando a ele a vaga no TF, ele se livra do Moraes, já que as merdas dele deixam de ser responsabilidade do presidente, contempla o PSDB com um Ministro e abre mais espaço na esplanada para o PMDB. 

Mas não é errado? Olha, até é, mas todo presidente tem seu escudeiro na corte. O Lula teve o Toffoli até o cérebro dele ser misteriosamente reprogramado pelo Gilmar, o FHC teve o próprio Gilmar, o Collor indicou o primo etc. Enfim, o que o Temer fez não é novidade. É feio, mas comer doce antes do parabéns também é e todo mundo continua fazendo.

Ah, mas Zé, me falaram que o livro dele é uma merda. Sim, é superficial, mas qual livro hoje em dia não é? O nível acadêmico do Direito brasileiro atualmente é muito raso. Digo isso com dor no coração, por ser advogado e também acadêmico, mas é a verdade. Para quem não é da área, aquela coluna do Lênio que eu linkei no começo do texto pode ajudar a entender melhor o que se passa. O que, você não viu? Sem problemas, é essa daqui. De nada.

O Moraes foi um dos precursores dessa nova onda be boçalismo jurídico, com explicações rasas e um verdadeiro ctrl C + ctrl V da jurisprudência, sem refletir criticamente sobre as decisões que copiava.   Aliás, agora descobrimos que não eram só decisões que ele copiava. De qualquer forma, or incrível que pareça, o que veio depois foi ainda pior: a praga dos livros no estilo "Direito Descomplicado", "Direito Simplificado", "Direito para Idiotas" e "Curso de Direito Civil com Figuras" dentre outros. Ou seja, por incrível que pareça, ele nem é dos piores. E o Toffoli foi nomeado Ministro depois de ter sido advogado do PT a vida inteira e sem ter publicado nada relevante. Nada de novo no front.

Porra, tu é muito chato, Zé. Sim, eu sei. O cara foi advogado do PCC, como você explica isso? Primeiro, ele foi advogado da Transcooper, uma empresa de vans suspeita de ligação com o PCC. Ainda vigora o princípio da presunção de inocência por aqui, galera. Além disso, foda-se que ele foi advogado do PCC. Ele pode advogar para quem ele quiser. O advogado defende direitos e garantias, inclusive o que a gente chama de "devido processo legal", ou seja, o direito a ter um processo regular, tramitando conforme a lei. 

Toda vez que a gente coloca no quadro a equação "advogado de criminoso = criminoso" a gente está deslegitimando o exercício da advocacia, colocando em risco a atividade de diversos profissionais. Quem dúvida só lembrar de 2013, quando advogados foram perseguidos pela repressão estatal por defenderem manifestantes. A advocacia é muito mais que uma profissão, é uma atividade essencial para a manutenção dos direitos em uma sociedade democrática. Vamos mantê-la assim, que tal?

O que me revolta nesses argumentos é que toda vez que a gente se deixa levar por essa "cortina de fumaça", a gente esquece de sentar o pau no Moraes pelo que ele realmente merece. A gente está falando de um cara absolutamente ordinário. Enquanto eu escrevia esse texto, acabava de vazar o terceiro plágio dele desde a indicação ao cargo. Sem contar que ele contrariou o que disse na própria tese de doutorado ao aceitar um cargo. Parece que nem ele leu o que escreveu. Ou copiou. Não sei mais.

Além disso, a gente está falando de um homem que possui um verdadeiro tesão pela repressão. Até a ONU criticou ele pela conduta da PM na repressão às manifestações. Aliás, qualquer um que tenha visto o péssimo trabalho que ele fez como Secretário de Segurança Pública sabe da inépcia dele para o cargo. São Paulo hoje tem índices de violência altíssimos e uma das Polícias mais letais do país.

Para quem não lembra, foi na gestão dele que a polícia paulista maquiou os dados estatísticos para diminuir artificialmente o número de homicídios em São Paulo. Parece que não é só sobre a autoria de seus livros que nosso Ministro costuma mentir.

Além das evidentes falhas de caráter, eu preciso sublinhar outro traço do Moraes, que é o seu ego galopante. Ele faz de tudo para aparecer. Alguém já esqueceu dele anunciando a prisão do Palocci num comício um dia antes dela acontecer? E dele cortando os pés de maconha no Paraguai?




O pior de tudo, para mim, foi quando ele quase pôs uma investigação de um grupo terrorista a perder só pelo privilégio de uma coletiva. Acabou que a tal célula do ISIS no Brasil não era isso tudo, mas o silêncio constrangedor do então Ministro da Justiça quando perguntado como eles haviam conseguido as informações das conversas do grupo se o WhatsApp não as fornece deixou muito claro para todos que havia gente infiltrada na tal célula. Se fossem uma ameaça real, provavelmente os infiltrados teriam sido mortos e os terroristas teriam seguido adiante. Tudo porque ele não conseguiu se conter e tinha que sair por aí espalhando o que estava acontecendo.

Agora fechem os olhos e imaginem esse homem de toga. No Supremo. Vocês conseguem ver o que vai sair dali? Pois é. Por isso que ele não deve ser ministro de nada. 

4 de fev. de 2017

Democracia americana

Eu tenho pensado muito esses dias. 

O que não chega a ser exatamente uma novidade. Eu penso muito. Eu sempre pensei muito. Poderia ser facilmente descrito como um cara analítico, ao ponto de às vezes dar mais importância às minhas elucubrações e conjecturas teóricas do que aos próprios fatos que as originaram. Isso quando elas se originam de fatos e não meras divagações. Acho que vocês já conseguiram entender por esse parágrafo. Ou por todas as outras coisas que eu já escrevi na vida.

Enfim, eu penso muito. Sabemos disso. A única coisa que me salva de ser um teórico insuportável (a única espécie de teórico) é que eu também tenho uma boa capacidade de sistematizar as minhas idéias, organizando-as de uma forma mais concreta ou fática. 

Enfim, tudo isso me veio à mente enquanto eu refletia sobre o conceito de democracia. Sim, eu faço isso no meu tempo livre. Eu nunca disse que era legal. Essa reflexão veio enquanto eu observava as ações do Presidente Trump em sua caótica primeira semana de governo.

O desapreço de Trump por alguns dos valores caros às democracias modernas já havia ficado claro ao longo da campanha e mesmo em outros episódios recentes, como da sua primeira conferência de imprensa após a vitória nas eleições: foi assustador ver um presidente eleito impedindo um repórter de perguntar sob gritos e acusações vagas de "fake news". A forma como ele trata os repórteres que o desagradam - aliás, como ele trata a todos que o criticam publicamente de alguma forma - deixa claro que ele é formado e pós-graduado na escola Gilmar Mendes de liberdade de expressão.

E aí eu me lembrei que o grande campeão das ideias democráticas nesse século, e no que passou, foi justamente o país que ele agora preside.

Deixe a ficha cair.

Entendeu agora?

O que acontece com a ideia de democracia se os Estados Unidos viram uma ditadura escancarada?

Veja bem, eu disse que eles são campeões da ideias e não das práticas democráticas, afirmativa que seria questionável quando observamos a forma como eles se relacionam com o restante do mundo. E mesmo que ainda seja discutível se algum Estado Democrático de Direito é realmente democrático (eu disse que pensava demais) acho que a pergunta continua válida. 

Costuma se dizer que a mulher de César não deve apenas ser honesta, acima de tudo ela deve parecer honesta. A verdade é que as aparências ainda são de extrema importância. Em tudo. A imagem que construímos é crucial para nosso sucesso em nível pessoal, mas também para o crescimento das empresas e, podemos afirmar sem medo, até mesmo para a disseminação de ideais. 

E o que acontece com a ideia de democracia - já desgastada - se a "maior democracia do mundo" vira uma ditadura fascista?

Vejam bem: os EUA ainda estão muito longe de serem uma ditadura. E de serem fascistas. Mas com as recentes atitudes do Trump, que vem constantemente passando por saias justas desnecessárias, o país tem mostrado um nível preocupantemente baixo de respeito e estabilidade institucional. Por exemplo, conforme foi noticiado pelo The Guardian, agentes do DHS se recusaram a respeitar uma ordem judicial que declarou ilegal a ordem executiva de Trump proibindo a entrada de imigrantes de alguns países muçulmanos. Uma agência do governo federal (poder executivo) simplesmente se recusou a atacar determinação do poder judiciário, ainda que este estivesse apenas agindo no exercício regular de suas funções. E se acontecer alguma coisa lá? Quem pode dizer que não vai?

O socialismo morreu, o capitalismo agoniza e eu não ando me sentindo muito bem. Uma a uma as grandes ideologias vão morrendo. Pelo que a gente vai lutar? Querendo ou não, no mundo todo pessoas que vivem sob o jugo de regimes autoritários olham para os americanos como referência. Ainda que seja uma referência imagética, se até ela for perdida o que acontece?

Quando eu fiz o Ensino Médio, ensinaram a gente a fazer a redação problematizadora padrão ENEM. Apresentar um problema e dar uma solução. Uma pergunta e uma resposta. Não esperem uma solução para isso. Eu também não sei. Só vim aqui jogar essas palavras na rede e semear o caos.

In Trump we trust.