11 de fev. de 2017

Desabafo de um carioca

Os últimos dias tem dado muito material para pensar. 

Na verdade, os últimos anos tem sido assim. Eu lembro de um professor de história que tive no colégio e que costumava dizer que certos anos eram, nas palavras dele, "cabalísticos", anos em que todos os acontecimentos são grandiosos, por uma perspectiva histórica, e eventos que moldam gerações se sucedem com uma velocidade estonteante. Eu tenho certeza que estes anos que vivemos serão, no futuro, lembrados assim.

Em outras palavras, nós somos o David Luiz olhando o Khedira tabelar na área sem entender nada.

E essa foi mais uma semana cheia e nada foi mais chocante do que a greve da PM no Espírito Santo. Ou, como eu gosto de chamá-la, o absurdo de achar que um salário atrasado vale mais do que 100 vidas. Não vou me alongar nesse assunto, mas essa greve só escancara tudo que sabíamos que estava errado com a PM.

O que mais me choca é o quão rápido nós passamos da civilização à barbárie. Não tem uma semana e, segundo relato confiável de uma amiga que mora lá, os supermercados estão fechados, quem não estocou comida não tem mais o que comer e as pessoas estão trancadas em suas casas. 

Em uma semana.

Sem a PM. 

Pensem no que a PM representa como instituição e na qualidade habitual do seu trabalho e você vai dimensionar o quão absurdo,  ridículo e absolutamente surreal é isso ter acontecido sem uma instituição pífia e violenta como a PM e de forma tão rápida.

É de cair o cu da bunda.

Isso me atingiu de forma muito forte por alguns motivos.

Primeiro, eu sou humano e tenho empatia. Segundo, eu ainda tenho alguns amigos que moram lá. Terceiro, rolaram boatos de que teria greve igual aqui no Rio. Hoje a gente tá rindo do áudio do Peixoto, mas não tinha uma alma viva sem medo na noite de quinta-feira e nenhum carioca saiu de casa antes de checar facebook, twitter, TV, jornais e ligar para amigos perguntando se estava tudo bem.

Mas o principal eu ainda não falei: como carioca, eu sei muito bem o que é conviver com a decadência. Tem pelo menos uns 100 anos que a gente lida com isso diariamente. E o que eu vi no Espírito Santo essa semana me assustou não só por vislumbrar isso num futuro imediato - através da ameaça de greve igual aqui - mas também porque eu consigo ver isso no nosso futuro. 

Antes de continuar, eu queria perguntar uma coisa: você lembra do Robocop? Isso, aquele policial robô dos anos 80. Não, não vamos falar daquele remake horrível dirigido pelo Padilha, vamos focar no original que era melhor. Se você lembrou do filme, é bem provável que você se lembre do buraco negro no qual ele se passava: Detroit. Outrora uma das grandes potências do país e coração da indústria automobilística, ostentando alguns dos maiores padrões de vida dos Estados Unidos, hoje em dia a cidade não é sequer uma pálida sombra daquilo que fora.

E essa decadência não é novidade. Já era assim na época do Robocop. O que rolou foi o seguinte: com a derrocada da indústria norte-americana e as mudanças no mercado, com fábricas saindo cada vez mais do país em busca de mão de obra barata, a situação em Detroit rapidamente degringolou. As pessoas saíram da cidade em massa, ao ponto de hoje existir um déficit habitacional. Dentre as grandes cidades dos EUA, é a que possui os maiores índices de violência.

O que eu quero dizer é que a decadência é possível.

E, em nosso caso, provável.

Vamos olhar para como o Rio estava no começo do século passado: capital da República, centro econômico e cultural do país. Esse foi nosso auge. Depois disso, foi só decadência. 

A capital passou para Brasília. São Paulo rapidamente ganhou a primazia econômica e vem se firmando de forma cada vez mais agressiva no cenário cultural nacional. Acho que o Rio só não caiu na irrelevância ainda porque a Globo é daqui. Quanto mais a cidade aguenta?

Olho para o Rio hoje e vejo uma cidade com índices irreais de violência. Tiroteios, assaltos e outras coisas. Serviços péssimos. Engarrafamentos colossais. Nenhuma qualidade de vida. Eu olho para o Rio e vejo um buraco enorme na economia, um estado falido e uma população desesperançosa. 

É assim que começa.

Quanto tempo para as pessoas começarem a querer sair daqui? Cada vez mais amigos meus - e eu incluso - dizem que não vislumbram futuro aqui. Mais importante: quanto tempo até as pessoas que investem na cidade decidirem que aqui não é mais um local bom para seus negócios. O que vem depois? Desemprego? Decadência? Detroit?

Não sei e nem tenho como saber. Isso é algo que ninguém pode prever. E por mais que muitos procurem se manter otimistas, confesso que a cada dia que se passa eu me convenço que a única saída do Rio é mesmo o Galeão.

Moraes foi um erro, mas não pelo que te disseram

Muito foi dito, escrito e gritado sobre o novo Ministro do STF, Alexandre Moraes. Sim, Ministro. Vocês estão querendo enganar quem achando que ele não vai passar na sabatina? Que, inclusive, já foi adiantada. Aquilo no Senado é só para formalizar. Enfim, muito já foi dito e, dentro desse muito que foi dito, a maioria foi de gente contrária à indicação dele. Na verdade, tirando o Lênio Streck, que o fez de forma bastante irônica, ninguém o elogiou. 

Isso acontece porque a indicação acontece porque a indicação foi uma merda mesmo. O Moraes está mais longe de ter o perfil esperado para um Ministro do Supremo do que eu estou do sonho de namorar com a Gisele Bundchen (obrigado, Tom Brady). 

Entretanto, a maioria dessas críticas detona o Moraes pelos motivos errados. Poucas pessoas passam do moralismo trivial ao se referirem ao cabeça de pirulito, digo, ao Ministro Moraes. Só aqui, com exclusividade, você lê uma crítica séria, sóbria e sem moralismos, sem mimimis e sem frescuras sobre o porque nomear o Moraes para o STF foi uma tremenda cagada do Temer. 

Do que vi, li e ouvi por aí, podemos separar os argumentos em três grupos principais: (i) foi uma indicação política do Temer; (ii) o Alexandre de Moraes não sabe o suficiente de Direito para ocupar o cargo e (iii) ele foi advogado do PCC. Todo o resto é variante de um desses. Por trás de cada um desses se esconde um moralismo ou um boçalismo. O meu objetivo é desbancar cada um deles para, depois, falar porque ele foi um erro.

Bom, vamos lá. O Moraes foi uma indicação política. Óbvio que foi. Para quem não sabe, estamos falando de um homem que uniu, em sua carreira, os ideais do concurseiro e de quem segue carreira na área privada: desde que virou procurador tem se dedicado a bajular políticos para progredir rapidamente dentro do funcionalismo público. Foi dessa forma que ele chegou à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, depois ao Ministério de Justiça e depois ao Tribunal Federal (tá difícil chamar ele de Supremo hoje em dia). 

Além disso, era necessário que o Temer se livrasse dele e, ao mesmo, tempo impossível. Verdade seja dita: ele geriu de forma mais pavorosa que a sua brilhante careca as revoltas que eclodiram nos presídios Brasil e, mesmo antes disso, seu desempenho no cargo já vinha sendo, no mínimo, catastrófico. Obviamente já tinha gente pedindo a cabeça dele, inclusive dentro do PMDB. Ao mesmo tempo, o Moraes é filiado ao PSDB e homem de confiança do Temer. Não tinha como ele sair sem causar um desequilíbrio na base aliada. Dando a ele a vaga no TF, ele se livra do Moraes, já que as merdas dele deixam de ser responsabilidade do presidente, contempla o PSDB com um Ministro e abre mais espaço na esplanada para o PMDB. 

Mas não é errado? Olha, até é, mas todo presidente tem seu escudeiro na corte. O Lula teve o Toffoli até o cérebro dele ser misteriosamente reprogramado pelo Gilmar, o FHC teve o próprio Gilmar, o Collor indicou o primo etc. Enfim, o que o Temer fez não é novidade. É feio, mas comer doce antes do parabéns também é e todo mundo continua fazendo.

Ah, mas Zé, me falaram que o livro dele é uma merda. Sim, é superficial, mas qual livro hoje em dia não é? O nível acadêmico do Direito brasileiro atualmente é muito raso. Digo isso com dor no coração, por ser advogado e também acadêmico, mas é a verdade. Para quem não é da área, aquela coluna do Lênio que eu linkei no começo do texto pode ajudar a entender melhor o que se passa. O que, você não viu? Sem problemas, é essa daqui. De nada.

O Moraes foi um dos precursores dessa nova onda be boçalismo jurídico, com explicações rasas e um verdadeiro ctrl C + ctrl V da jurisprudência, sem refletir criticamente sobre as decisões que copiava.   Aliás, agora descobrimos que não eram só decisões que ele copiava. De qualquer forma, or incrível que pareça, o que veio depois foi ainda pior: a praga dos livros no estilo "Direito Descomplicado", "Direito Simplificado", "Direito para Idiotas" e "Curso de Direito Civil com Figuras" dentre outros. Ou seja, por incrível que pareça, ele nem é dos piores. E o Toffoli foi nomeado Ministro depois de ter sido advogado do PT a vida inteira e sem ter publicado nada relevante. Nada de novo no front.

Porra, tu é muito chato, Zé. Sim, eu sei. O cara foi advogado do PCC, como você explica isso? Primeiro, ele foi advogado da Transcooper, uma empresa de vans suspeita de ligação com o PCC. Ainda vigora o princípio da presunção de inocência por aqui, galera. Além disso, foda-se que ele foi advogado do PCC. Ele pode advogar para quem ele quiser. O advogado defende direitos e garantias, inclusive o que a gente chama de "devido processo legal", ou seja, o direito a ter um processo regular, tramitando conforme a lei. 

Toda vez que a gente coloca no quadro a equação "advogado de criminoso = criminoso" a gente está deslegitimando o exercício da advocacia, colocando em risco a atividade de diversos profissionais. Quem dúvida só lembrar de 2013, quando advogados foram perseguidos pela repressão estatal por defenderem manifestantes. A advocacia é muito mais que uma profissão, é uma atividade essencial para a manutenção dos direitos em uma sociedade democrática. Vamos mantê-la assim, que tal?

O que me revolta nesses argumentos é que toda vez que a gente se deixa levar por essa "cortina de fumaça", a gente esquece de sentar o pau no Moraes pelo que ele realmente merece. A gente está falando de um cara absolutamente ordinário. Enquanto eu escrevia esse texto, acabava de vazar o terceiro plágio dele desde a indicação ao cargo. Sem contar que ele contrariou o que disse na própria tese de doutorado ao aceitar um cargo. Parece que nem ele leu o que escreveu. Ou copiou. Não sei mais.

Além disso, a gente está falando de um homem que possui um verdadeiro tesão pela repressão. Até a ONU criticou ele pela conduta da PM na repressão às manifestações. Aliás, qualquer um que tenha visto o péssimo trabalho que ele fez como Secretário de Segurança Pública sabe da inépcia dele para o cargo. São Paulo hoje tem índices de violência altíssimos e uma das Polícias mais letais do país.

Para quem não lembra, foi na gestão dele que a polícia paulista maquiou os dados estatísticos para diminuir artificialmente o número de homicídios em São Paulo. Parece que não é só sobre a autoria de seus livros que nosso Ministro costuma mentir.

Além das evidentes falhas de caráter, eu preciso sublinhar outro traço do Moraes, que é o seu ego galopante. Ele faz de tudo para aparecer. Alguém já esqueceu dele anunciando a prisão do Palocci num comício um dia antes dela acontecer? E dele cortando os pés de maconha no Paraguai?




O pior de tudo, para mim, foi quando ele quase pôs uma investigação de um grupo terrorista a perder só pelo privilégio de uma coletiva. Acabou que a tal célula do ISIS no Brasil não era isso tudo, mas o silêncio constrangedor do então Ministro da Justiça quando perguntado como eles haviam conseguido as informações das conversas do grupo se o WhatsApp não as fornece deixou muito claro para todos que havia gente infiltrada na tal célula. Se fossem uma ameaça real, provavelmente os infiltrados teriam sido mortos e os terroristas teriam seguido adiante. Tudo porque ele não conseguiu se conter e tinha que sair por aí espalhando o que estava acontecendo.

Agora fechem os olhos e imaginem esse homem de toga. No Supremo. Vocês conseguem ver o que vai sair dali? Pois é. Por isso que ele não deve ser ministro de nada.