16 de dez. de 2009

Torradas com Nutella

-Boa noite e até amanhã.

E com essas palavras, a nova âncora se despedia do público e o jornal ia dormir para chegar bem no dia seguinte. Era seu primeiro dia e se sentia muito bem.

Do outro lado da tela, alguém não se sentia muito bem.

A realidade o atingiu como um soco. Era ela. Deslumbrante como sempre. Inteligente como sempre. Falante como sempre. E sobretudo, linda como sempre.

Ali, ele viu o quanto ele sentia sua falta. Era a mulher da sua vida ali.

"Vadia"-ele pensou-"deve ter dormido com meio estúdio".

No fundo, ele sabia que mentia. Mentia para se sentir confortavel. Mentia porque era mais seguro viver dentro do seu mundinho do que no mundo de verdade. Ainda mais depois dele ter acertado um soco tão violento.

Desde que a vira pela primeira vez, ele sempre soube que mais cedo ou mais tarde alguma coisa assim ia acontecer.

Porém, se sentia melhor por ter perdido uma vadia do que uma repórter bem sucedida.

Quanto tempo fazia? O suficiente para ele virar um gordo desempregado e careca. E o suficiente para que ela continuasse linda, como que imune ao tempo.

No fundo, ele nunca superara aquela perda. Mais só quando a viu ali, falante, linda, que se lembrou dos velhos tempos, que ele preferia que continuassem uma mera sombra no meio de outras. Mais agora aquela sombra o irritava.

E o irritando, o fez lembrar de como era sua vida antes. E mais importante, dela. Cada detalhe, sua risada, seu aceno gentil, o jeito carinhoso como dava a uma pessoa só toda atenção do mundo. Parecia que cada pessoa que falava com ela era mais importante que a outra.

E aí, ele chorou. Aquelas lembranças eram muito dolorosas para ele. Foi só ali, chorando sozinho, na sala, que ele percebeu o quanto a amava. Uma besteira na juventude o fizera sofrer a maior das perdas. Se pudesse voltar no tempo, avisaria ao seu eu mais jovem para ficar longe daquela cabra. Se bem, que aquele jovem provavelmente riria da cara daquele espectro careca e gordo. Como ele era arrogante e orgulhoso. Como gostaria de não ter sido.

Como queria saber que as melhores coisas não são as que duram pouco tempo. Como ele queria saber que sacrifícios valiam a pena. Como ele queria saber onde estava o pão, que todas essas reflexões o deixaram com fome.

A caminho da cozinha, ele teve uma idéia. Uma idéia que ia mudar tudo.

O despertador parou de tocar depois de um tapa violento.

Eram sete da manhã e tinha uma festa rave acontecendo dentro da cabeça dela. E estava bombando.

Tudo o que ela menos queria era acordar.

Sua estréia fora ótima. A festa que a seguiu também. Ou pelo menos deve ter sido. Ela já não se lembrava de nada. Mais, olhando para o quarto, começou a pensar se não deveria ter motivos para se arrepender. Realmente, as algemas não eram um bom sinal. Ela odiava as algemas.

Porém, ela decidiu não se preoupar com isso. Pelo contrário, prosseguiu como se fosse um dia normal. De fato, era um dia normal. Tirando o fato do mendingo da esquina estar jogado na sua sala.

"Merda de festa", disse baixinho, antes de acordar e expulsar o pobre sem-teto com um chute mais brutal que o tapa que acertara o despertador.

"Ainda bem que não existem associações protetoras de mendingos" - pensou enquanto ele corria desesperado rua abaixo.

Realmente, não dava para ser amiga de todos. Mesmo assim, ela não conseguia parar. Era tão difícil parar de dar bom-dia para ela quanto parar de fumar para um fumante.

Ela botou as torradas na torradeira e começou sua peregrinação pelas capas dos principais jornais e tabloides. Jornalismo é informação, era o que sempre dizia.

Um tabloide chamou a atenção.

Um fundo preto,contranstando com letras vermelhas e garrafais. Puta criatividade:Doidão se mata com meio quilo de nutella, dois donuts, um elástico e um saca-rolha.

Ela não pode evitar uma risada.

Nesse momento, o telefone toca.

O barulho ressoa em sua cabeça. Definitivamente, ela tinha que atender rápido.

Era uma voz familiar, mais envelhecida.

Por um instante, o tempo parou. Pequenas lagrímas começaram a salpicar por seu rosto. Estava completamente desarrumada, mais mantinha um certo charme.

Neste exato instante, a campainha da torradeira tocou, lembrando-a que existia uma realidade. E também que o pão estava no ponto.

Mais ela já não ligava mais para o pão. Já não ligava mais para nada.

Todos esses anos, ele esteve a um telefonema de distância. Todos esses anos a coragem estve a milhas náuticas(que são maiores que as terrestres) de distância.

E agora, ele não estava mais lá.

E só ali ela viu como sentia falta dele.

"Malditas algemas". Foi a última coisa que ela conseguiu pensar antes de se recolher num canto da sala e chorar.

Chorou o arrependimento.

Chorou o amor perdido e todos os falsos amores.

Chorou a tristeza.

Chorou a morte e tudo que ela tira das pessoas.

Chorou sua dor.

Chorou sua covardia.

E nunca mais comprou Nutella.

Nenhum comentário:

Postar um comentário