10 de jan. de 2012

O que vai ser?

É noite. A hora exata foge dos personagens, mas acredita-se que essa história se passe durante a madrugada. Deixando de lado as especulações, o fato concreto é que a história se passa numa noite escura como breu. Aliás, eu sempre quis saber o que é breu e porque ele é tão escuro. Semântica a parte, o narrador gostaria de adicionar um pequeno nevoeiro, no estilo das fogs londrinas, ao cenário.
O cenário aliás, é um beco escuro e mal iluminado, como os daqueles daqueles filmes de detetive em preto e branco. A iluminação do beco, no estilo daquelas luminárias penduradas nos tetos de restaurantes baratos, cuja luz é tão fraca e amarelada que não mal consegue iluminar o centro da mesa, deixando uma pequena zona circular iluminada e o restante do beco na escurido. Enfim, a iluminação do beco é um mistério, posto que não se vêem nem postes nem luminárias baratas que poderiam ser sua fonte.
 Eis que nesse cenário pitoresco, se aproxima uma figura ainda mais pitoresca. Vestido  com um sobretudo preto e usando um chapéu -igualmente preto- idêntico ao do Cint Eastwood naquele filme, ele desliza silenciosamente pelo cenário. De vez em quando ele dá uma olhadela discreta pelo rabo do olho, para certificar-se de que não há ninguém o seguindo. Ele para exatamente no centro da zona iluminada do beco por aproximadamente dezessete segundos antes de deslizar de volta para a escuridão.
Aproximadamente cinco minutos depois, um observador mais atento poderia notar a chegada silenciosa de um rapaz franzino. Porém, infelizmente, trata-se de um beco um tanto quanto deserto e, por isso, não haviam observadores, quanto mais observadores atentos e, portanto, sua chegada passou desapercebida. Rapidamente, o rapazote se posicionou no centro da zona iluminada e foi puxado para a escuridão.
-Você mataria um homem? O cara de chapéu cuspiu a pergunta enquanto agarrava o rapaz franzino.
-Apenas as terças e quintas das 10h as 17h.
-Então, o que vai ser?
-Cara, que tipo de senha é essa?
-Eu não faço as senhas. O que vai ser?
-O que aconteceu com meu contato da
-Semana passada? Pegaram ele. O que vai ser?
-Arranhou o disco?
O homem com chapéu (que, na falta de um codinome, será chamado de Clint de agora em diante) agarrou o rapazote (que, pelo mesmo motivo, será chamado de Wihelm Telonius III), encostou-o contra a parede e disse(cuspiu):
-Escuta aqui garoto! Você sabe o que acontece com quem eles pegam, hein?! Você sabe?! Nem eu. E eu não tenho o menor interesse em descobrir.
Wihelm Telonius III assentiu com a cabeça e engoliu em seco. Um frio percorreu rapidamente sua espinha. As coisas estavam cada vez mais difíceis naqueles dias.
-Você sabe quantas vezes eu já troquei de codinome essa semana garoto?!?! Dezessete.DE-ZES-SE-TE!! Você tem alguma idéia do que é isso?! Nem eu sei mais como eu me chamo!! Sabe pra que?! Interrompeu o esporro brevemente e olhou para os lados acintosamente, de um modo maníaco e um tanto quanto assustador. Depois aproximou seu rosto do de Wihelm Telonius III e disse então, garoto, o que vai ser, com um olhar maníaco-penetrante tipíco dos maníacos.
-Escuta, disse Wihelm Telonius III olhando desconfiado para os lados, é bom mesmo?
-O melhor.
-hmmm... O que você tem aí?
-Tenho de todos os tipos para todos os tipos disse Clint enquanto soltava um riso abafado.
-Seja mais especifíco.
Clint abre seu sobretudo, como um mercador de armas clandestino de filmes B de ação, revelando toda sua mercadoria, para o espanto de Wihelm Telonius III
-Isso, isso é incrível, disse Wihelm Telonius III as lágrimas, eu nunca vi nada parecido antes.
-É apenas a ponta do iceberg. Eu tenho de tudo aqui.
-Aposto que tem.
-O senhor me parece ser um tipo de gosto apurado. Que tal um pouco de Drummond? Algumas gramas de Pessoa?
-Hmmm.. não sei
-Talvez o senhor queira algo mais agressivo... Que tal um Tommaso Marinetti? Um pouquinho disso aqui e BUM! Ou, porque não, Augusto dos Anjos.
-É bom?
-Como um soco no estômago disse Clint abrindo um meio sorriso maníaco.
-Clarice.
-Perdão?
-Clarice. Eu quero ler Clarice.
-Clarice... Lispector?
-Existe alguma outra?
-Eu só trabalho com poesia.
-Ela também escrevia poesias.
-As poesias dela não me interessam.
-Mas interessam a mim! Isso é muito mais do que literatura! É vida!
-Pare de gritar! Você não quer que eles nos encontrem quer? Escuta, se você quer ler tanto assim Clarice, porque não tenta isso aqui.
-Um link? Que porra é essa?
-Digamos que é um paliativo.
-Devo dizer senhor, que eu estou cansado dos seus paliativos. Ou nós encontramos uma solução ou eu saio.
-Você não vai encontrar nada mais parecido em nenhum outro lugar.
-Estou farto desses apócrifos!
-Não é um apócrifo. Ela tem uma assinatura própria. E as mesmas iniciais.
Por um momento os olhos de Wihelm Telonius III salivaram e sua boca brilhou antecipando o prazer literário. Mas seus instintos falaram mais altos.
-Eu quero Clarice.
-Vamos fazer assim. Te dou meio quilo de Leminski, você leva mais duzentas de Murilo de graça, por conta da casa.
Wihelm Telonius III inclinou levemente sua cabeça para direita e olhou contemplativo para cima. Por uns breves instantes, o beco permaneceu em silêncio.
-Feito.
No escuro, ambos os homens andam em direções opostas.
Mais tarde, ao chegar em casa, Clint senta num canto, abre seu sobretudo, tira uma cópia surrada de A Hora da Estrela e geme, baixinho: meeeeuuu meeeeuuu, toooodoooo meuuuuuu enquanto acaricia gentilmente o livro.

2 comentários:

  1. Eu ia adicionar no final que a iluminação no beco era feita por um cara segurando uma lanterna, mas eu achei que ia quebrar o clima

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  2. ficou bem legal, Zé! I'm a poetry dealer, BE AFRAID, bitches!

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