18 de fev. de 2017

Moreira Franco e a falência do Direito

Um dos hot topics do Direito, aqui no Brasil, hoje é a aplicação dos precedentes, que passou a ser regulada no Novo Código de Processo Civil (NCPC, para os mais íntimos). Bom, a esse momento você já deve estar se perguntando: (i) o que são esses precedentes; (ii) como e porque eles se aplicam e (iii) porque eu estou lendo isso ao invés de ver o jogo do Vasco que está passando agora?

Eu garanto que tudo será respondido em seu devido tempo, mas antes peço apenas a sua paciência, meu caro leitor. Não saía do seu computador agora. Sério. Você já viu esse time do Vasco jogando? Não vale a pena.

Bom, agora vamos por partes. Em primeiro lugar,  o que são precedentes? Vou explicar da forma mais simples possível só que, antes de tudo, eu preciso esclarecer qual a origem deste conceito jurídico. Trata-se da pedra de toque do chamado sistema da common law, adotado pela Inglaterra e pela maioria dos países de origem anglo-saxônica e também por suas ex-colônias. Nele, ao contrário do que ocorre aqui no Brasil, o direito é governado pelo corpo de decisões jurídicas tomadas pelos juízes no exercício de suas atribuições. Tanto é que, nesses países, o precedente é comumente definido como a rule of law, uma regra de direito, possuindo caráter vinculante (binding) sobre as demais decisões a serem tomadas.

Trocando em miúdos: um precedente é uma decisão judicial que gera uma norma jurídica e que vincula todas as decisões posteriores a ele. Obviamente a discussão é bem mais complexa do que isso e existem diferentes tipos de precedentes e nem todos operam da mesma forma, mas para entenderem até onde eu quero chegar esta definição será eficiente.

Certamente, quando chegamos no conceito de precedente, a pergunta óbvia a ser feita é: e se eu não quiser aplicar um precedente, como faz? Bom, existem duas técnicas para se evitar a aplicação de um precedente: o distinguish (distinção) e o overruling (superação). A última é a mais simples de se entender, ela deve ser aplicada quando haja alguma nova situação ou mudança - em geral normativa - que torne o precedente obsoleto. Já a distinção ocorre quando, ao comparar o precedente aplicável com o caso concreto, o juiz constata que existem diferenças entre ambos. A partir daí, ele dá sua decisão original e um novo precedente é criado.

Esse debate se tornou importante no Brasil porque o Novo Código de Processo Civil regulou e tornou obrigatório o uso dos precedentes no país. Eu acho essa postura muito errada por diferentes motivos, começando pelo fato de que, com uma canetada, o legislador pretendeu instituir no país um sistema alienígena que surgiu, de forma orgânica, ao longo de séculos de desenvolvimento em países com um sistema jurídico bem diferente do nosso. O principal motivo, contudo, para eu ter a mais absoluta convicção de que isso jamais dará certo no Brasil é que os próprios juízes não parecem entender bem esse conceito. Com efeito, não é raro ver juízes e tribunais desconsiderarem os próprios precedentes nos seus julgamentos e o caso mais recente veio de quem deveria dar exemplo para todos: o Decano do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, decidiu que Moreira Franco pode assumir um Ministério para evitar a perseguição implacável da Lava Jato.

Verdade seja dita, a decisão dele, em si, não foi ruim. Eu concordo com os argumentos jurídicos que ele levantou: além de decidir pela ilegitimidade da Rede para propor a ação, ele disse que a nomeação como ministro é discricionária e não necessariamente feita de má-fé e que o Supremo ainda poderia atuar no processo criminal, ele seria investigado normalmente etc. Convenhamos, o que mais o Decano da corte poderia fazer? Admitir a falência do tribunal? Além disso, como eu já dizia quando o Lula foi indicado, a rigor ele está certo. 

Enquanto eu vi muita gente que nem leu a decisão - e muitos que sequer teriam entendido caso a lessem - metralhando o ministro pelos seus fundamentos, me deixou chocado que o ponto mais gritantemente criticável da decisão passou batido: o ministro simplesmente IGNOROU um precedente do próprio Supremo. Não teve distinguishing, não teve overruling. Foi puro e simples desrespeito a um aspecto tão básico do direito. 

Aí eu pergunto: se nem o Decano do Supremo observa seus precedentes, quem vai observar? Se os juízes decidem o tempo todo de forma diferente conforme o caso, para onde vai a segurança jurídica no Brasil? A partir do momento que se torna legítimo, e é isso que vem acontecendo por aqui, que os juízes flexibilizem ou alterem a aplicação da lei sem qualquer critério técnico, o Direito passa a ser única e exclusivamente a moral do julgador. Isso é perigosíssimo. E não vai ser um sistema mal-ajeitado de precedentes que vai nos salvar.

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