29 de jul. de 2011

Zé vs Alcidess

Hoje, eu e o alcidess nos envolvemos numa feroz disputa ferrenha, palavraapalavra, para decidir qual de nós dois era o melhor contista. As regras eram simples. Cada um escolhia uma palavra para que o adversário começasse e terminasse seu conto com ela. Para o alcidess, escolhi uma eterna favorita minha: Hipopotomonstroseesquipedaliofobia. Para mim, ele escolheu Lambisgóia. Devido a baixissíma qualidade de ambos os contos, foi declarado um empate técnico por insuficiência técnica. de comum acordo, decidimos expor aqui nossos contos para que o público decida: qual de nós dois é o menos pior afinal? Observação rápida: ambos, como manda o figurino dos preguiçosos, não escolhemos títulos, mas algum leitor mais criativo poderá se sentir mais a vontade para sugeri-lo nos comentários.
O meu
Lambisgóia!! Mas que merda de palavra é essa?!?! Eu odeio isso!! Um escritor que não sabe o significado de uma palavra?!?! Onde já se viu tamanho disparate.?...? Ele ficara revoltado, com razão, afinal, quem já viu um escritor que não sabe o que significa lambisgóia? Seria um parente distante da lombriga? Lombriga ou lumbriga? Acho que para o MEC tanto faz. Talvez um meio termo entre lombriga e lacraia? Mas então não seria lombricaia (ou lumbricaia)? Ou quem sabe labriga? Parece a briga em espanhol, que é português falado um pouquinho errado. Os gaúchos, por sua vez, falam espanhol um pouquinho errado e acham que falam português. Quem está com a razão? E o que diabos é o italiano então? No meio do caminho tinha uma lambisgóia, tinha uma lambisgóia no meio do caminho. Fica melhor com uma pedra... Melhor deixar isso de rima pralguém que realmente entenda do risca MERDA! Tropecei numa pedra! No meio do caminho! Pedra filha da puta. Se fosse uma lambisgóia aqui, pelo menos eu teria descoberto o que é uma lambisgóia. Não que isso sirva de consolo para o pobre escritor, cuja perna (digo pé) agora dói para cacete. Vou por gelo. Água dura. E gelada. E transparente. E ligeiramente molhada. Porque, na verdade, o gelo seco não é feito nem de água muito menos de gelo. É um farsante, uma espécie de Camaleão do freezer. Se por acaso eu errasse a digitação e escrevesse frasante, quem sabe o gelo seco não fosse um neologista, como Gumarães Rosa, não deixando de ser um Camaleão das palavras e, por conseguinte, um neologista do freezer. Mas quem seria o rei supremo dessa corte de fantasia estabelecida no freezer, que disporia dos serviços de um Camaleão que se disfarça de neologista para fingir ser o bobo da corte, porque o verdadeiro bobo foi descongelado a mando do tirano, por ter feito uma piada deveras ofensiva acerca do peso da excelentíssima senhora rainha do freezer, a coxa da galinha (?). Ou, quem sabe, impiedosamente triturado por ter posto em dúvida a inexistência da cabeça de bacalhau. Aliás, se bacalhau tivesse cabeça, seríamos ainda capazes de comê-lo com a mesma vontade, tendo que olhar em seus olhos e ouvir seus belos discursos sobre a liberdade, o mar, e a importância das focas numa dieta equilibrada e balanceada?? Aliás, aqui estou eu falando com peixes e sobre peixes e descubro agora que esqueci o fogão ligado e a porta da geladeira aberta. Mas que conflito térmico alimentar mais interessante se configura agora aqui na minha cozinha, tão longe de mim, tão perto de mim, continua longe, merda. Eu queria saber o que vai acontecer quando o exército da salada, sobremesas, pastinhas e entradas se chocar contra as sobras do almoço. Se eu der muita sorte, eu vou chegar em casa com a janta já pronta. Lambisgóia. Lam-Bis-Goya. Desliza pela língua. Tem jeito de ser uma daquelas palavras que a gente usa quando alguma coisa dá errado. Tipo cacete, merda e org. Falando em org, eu ainda não sei o que significa lambisgóia. ORG!! Isso está me deixando louco (cale-se cale-se cale-se). Talvez ela seja uma daquelas palavras para se usar cabisbaixo, bem devagar, quando se está decepcionado com alguma coisa. Puxa, mas que lambisgóia... Não funciona. Talvez Lambisgóia tenha sido um grande imperador inca. O reinado do grande Lambisgóia, respeitado e temido por todos os índios e lhamas do Peru e da Bolívia. Lhamas são animais quadrúpedes de quatro patas que vivem mascando chicletes de menta por que tem malálito. Vivem em altas altitudes, o que quase parece ser quase uma redundância semântica, uma vez que para baixas altitudes o mínimo que se esperava, por questões de igualdade de direitos, é que se chamassem baixitudes. As lhamas coexistem em harmonia com as lambisgóias selvagens, exímias produtoras naturais de chicletes sabor menta, num local mágico onde tudo é possível. Além das lhamas, a Bolívia e os demais países andinos se destacam dos demais pelos seus chapéus, que dão um ar rústico e deveras divertido ao local. Ser ou não ser, eis a questão. Ser ou não ser uma lambisgóia é mais que uma questão existencial, é, em primeiro lugar, uma questão semântica posto que, sem saber o que é uma lambisgóia, como poderei saber se quero ou não ser uma lambisgóia. Visto que até o final desse texto eu terei que tomar uma decisão, decido que opto por pensar mais um pouco. E olhe lá, parece que não, mas estamos proseando há tanto tempo e olhe onde está o texto. Quantas linhas, incansáveis, intermináveis e impenetráveis linhas não foram percorridas desde a primeira. E quantas outras mais não foram e serão percorridas desde a primeira linha jamais escrita por um homem em busca de um sentido para a vida, uma resposta para as angústias existenciais e um lugar decente para se almoçar. Decente meu Deus!! Não preciso de um restaurante cinco estrelas, apenas de uma comida boa e um preço honesto! Será pedir demais!?!?! Ola´, o que você está fazendo? Varrendo a areia da praia! E você? Estou buscando um lugar decente para almoçar. Ó céus!! Se esgotou o limite de linhas e eu ainda não sei!! Mas que lambisgóia...


O dele

_Hipopotomonstrosesquipedaliofobia... - suspirou o distinto senhor de fraque a cartola confortavelmente sentado na varanda de um bistrô confortavelmente assentado na esquina daquela cidade confortavelmente semeada às margens do Sena.


Levantou a xícara de café da mesinha redonda coberta pela toalha rendada. Susteve-a por escassos segundos à altura dos olhos enquanto refletia olhando a fumaça que escapava do café fervente e o rio que corria resplandescente ao fundo. Fungou e contorceu o rosto, a cidade fedia à decadência e o cheiro do café não era suficiente para apagar da cabeça os odores inebriantes do fim do século. A belle époque se dissolvia com os torrões de açúcar e o espírito dos homens fugiam conforme o vento assoprava rumo ao leste.

_Como se não nos bastasse tudo ainda temos a loucura. Que diabos eu estou fazendo, murmurando à toa...

Um garçon se aproximou. Passos suaves, vinte anos mal contidos, o cabelo ensebado e os trajes engomados, uma gravata borboleta meio torta e um avental lisíssimo. Era um parvo, mas o dono do restaurante considerava-o eficiente o bastante para deixá-lo a cargo das mesas e das bandejas que iam e viam. Solícito se apresentou:

_Boa tarde, senhor. Deseja mais alguma coisa além do café?

_Livros, se tiver.

O garçon riu do gracejo do distinto senhor. Pediu desculpas repletas de maneirismos e mimos e maniqueímos. O café vendia café, não vendia livros, portanto não poderia ele, um mísero garçon, oferecer ao distinto senhor que se lhe apresentava livros! Oras, que absurdo! Não sabia ele que livros se vendem em casas de livros enquanto bistrôs vendem cafés! O garçon enrubescia-se.

O senhor de fraque e cartola levantou-se. Agradeceu com ponderação, polidez e um pouco de pose. Livros deveriam vender-se em quaisquer lugares, cafés eram meros acessórios. O tempero do açúcar daquela vida eram as palavras e que pena que ele não sabia disso. Três francos.

Flanava, sentia-se abatido por não ver corresponder naquela apoteose de máquinas e notícias impressas palavras mais finas e longas. Queria que alguém lhe dissesse que dia pétreo e que plúmbeo se fazia o céu, por pés de chumbo já martelarem o chão, queria que palavras pesadas acompanhassem o espírito. Mas tudo que ouvia era orvalho e luvas, livros de etiqueta e literatura para as sombras das cerejeiras de um mundo distante e sem cinza. Ia ao médico.

Sentou-se, despiu o fraque e a cartola. Acomodou-se o melhor que podia. Cruzou as pernas. Descruzou as pernas. Apoiou as mãos nos joelhos para em seguida apoiá-las nos braços cruzados. O que o trazia ali.

_Medo, doutor. Não sei dizer. As palavras fogem de mim. Literalmente. É como se toda a humanidade tivesse medo de dizer.

O médico refreou sua verborragia. Um pouco de sensatez e menos alarmismo. Não era o fim do mundo, era o fim do século. Não havia motivo para medos desse tipo. A guerra, talvez, essa sim inspiraria algum temor por parte dos homens. Mas, palavras? Acaso o distinto senhor não gostaria de outros motivos para receio? Poderia lhe oferecer um monte se assim o desejar. Meus pacientes veem aqui todos os dias e refluem suas mágoas e suas reais angústias! Fantasias, oras...

_Mas, doutor! É isso que eu quero dizer, as palavras que as pessoas dizem não tem nada dentro, são meio signo! Desenhos desprovidos de significado! Sons soltos e sem sentido!

Levantou a mão. Gostaria de pedir-lhe que não me faça perder tempo com seus espasmos de literatura. Se quer lutar com palavras recomendo a política! Mas, doutor! Sem mas!

O consultório era agora um tanto quanto maior do que antes. O doutor também. A cadeira onde sentava-se o distinto senhor reduzia-se e o sentante acompanhava-lhe de perto o passo. As prateleiras antes repletas de enciclopédias e livros da medicina todos padronizados e encadernados em um verde musgo doentio se transformavam em tubos e seringas. Em frascos borbulhantes que refletiam em fractais e monstruosa cena que se dissolvia nos líquidos esfumaçantes.

Basta! O senhor não possui motivo algum de queixa, talvez uma ou outra paranoia, mas nada a que se dedique um médico de verdade! Se quer ajuda suma daqui! O paciente tentava, se digladiava com todas as forças que fugiam de seu corpo para reunir um fragmento de decisão e se arrancar dali.

Inútil.

As forças as palavras fugiam ao pobre homem. O medo tomava conta do seu ser. Fobias! Eu tenho fobias, doutor! Medos infundados dos quais a ciência não se ocupa. Mas eu tenho pânico, doutor! Reações desmedidas a medos infundados. Livros, doutor, eu tenho livros! Remédios inúteis para reações desmedidas a medos infundados.

E desmaiou.

Acordou no café. Olhando o Sena que se desenrolava a sua frente. A xícara esfriava. Sorveu o que restava e sossegou. O garçon estava ao seu lado.

_Deseja alguma coisa, senhor?

_Livros.

O garçon tremeu, não leio nada senhor e o bistrô não vende livros.

_Tem medo das palavras, rapaz?

_Só das grandes – confessou. Nunca lera nada, a grandiosidade da alma humana não era para ele
mais extensa do que 3 sílabas. Suspirou o distinto senhor de fraque a cartola, desconfrotável:

_ Hipopotomonstrosesquipedaliofobia...

3 comentários: