12 de jun. de 2014

A menina do guarda chuva

Aviso: esta história toda é real. Nada disso foi inventado. Ok, talvez não tenha aparecido um monstro de três cabeças no esgoto durante a fuga, mas todo o resto é real, juro. 

 Foi numa noite chuvosa, não lembro o dia, o mês talvez fosse junho, talvez fosse maio. O ano era, com certeza, 2012, o ano que o mundo por pouco não acabou. Estava eu voltando para casa, tinha acabado de saltar do ônibus e estava atravessando a passarela que separava o ponto de ônibus da minha casa, que ficava no outro lado da rua quando eu a vi.

Era uma jovem sem nada de especial, falando algo com alguns amigos. Riam. Eu provavelmente nem a teria notado – e nesse caso ela não passaria de um traço em alguma memória longínqua de uma insossa noite fria e molhada – quando aconteceu algo que alteraria o curso de nossas vidas, ainda que muito brevemente.

O guarda chuva dela saiu voando da passarela e caiu na cabeça de alguém. 

Eu, naturalmente, fiz o que qualquer um teria feito em meu lugar: parei para rir enquanto ela e seus amigos se debruçavam na passarela para ver o que tinha acontecido com seu guarda-chuva. Estava prestes a retomar meu caminho para casa quando ouvi uma voz: Meu chapéu caiu! Era ela, a dona do guarda-chuva. Me senti um pouco mal pelo riso e tal e decidi fazer alguma coisa para ajudar. Eu reparei que alguma alma caridosa, mas não muito observadora, estava tentando jogar o guarda-chuva de volta para a passarela. Aberto. Eu disse para a menina olha aquela senhora ali ta jogando seu guarda-cuva aberto, manda ela fechar ou ele vai voar de novo ah! obrigada e fui voltando na direção de casa quando, de repente, ouvi um grito: espera!

Esperei.

Você já passou no vestibular?

A pergunta, confesso, me deixou um pouco desnorteado. De todas as coisas que alguém poderia ter me perguntado, aquela era a mais improvável. Pelo cenário, ela podia ter me oferecido drogas que teria sido mais plausível! Olhei meio tonto pra ela e disse: como? Você já passou no vestibular?

Aquela altura nada mais fazia sentido naquela noite bizarra e chuvosa.

Balbuciei que sim. Ela perguntou que faculdade eu estava fazendo. Eu disse que fazia Direito. Ela veio correndo na minha direção, me abraçou e disse É A FACULDADE QUE EU QUERO FAZER!! Ela me soltou e eu, que ainda não tinha entendido o que tinha acontecido, me vi confrontado por outra pergunta qual o seu nome? José? Não, seu nome completo e eu, inocente, falei. Não tinha percebido o que tinha acabado de fazer até ela falar: ótimo! Vou te adicionar no facebook!

Voltei pra casa pensando cara, que coisa bizarra. Ainda estava levemente desorientado. Cheguei em casa, tomei banho, comi alguma coisa, li alguma coisa – a vantagem de uma sopa de letrinhas é poder fazer essas duas ao mesmo tempo – fui dormir e no dia seguinte constatei que ela havia, de fato, me adicionado em seu facebook. Tínhamos, inclusive, amigos em comum. Primeira dúvida do dia: aceito ou não ela? 

A favor: era uma situação engraçada. E tinha também a curiosidade: queria ver até onde isso iria.

Contra: era uma situação bizarra. Ela podia ser uma traficante de órgãos. 

Adicionei. Se ela perguntasse, diria que meu fígado não funcionava direito. 

Quase instantaneamente, recebi um simpaticíssimo oiiiiiii! Oi, tudo bem? Tudo. Você gosta de pão de queijo?

Pausa no universo.

COMO ASSIM EU GOSTO DE PÃO DE QUEIJO?? QUAL SEU PROBLEMA COM ESSAS PERGUNTAS?? ELAS NÃO FAZEM SENTIDO!!

Volta o universo.

Gosto. Ok vou levar pra você – ai caralho que porra é essa? Ok, mas escuta, quando você vai me entregar esse pão de queijo? Ué, quando a gente se encontrar né? EITA PORRA. Mas como você sabe quando a gente vai se encontrar? Ué, a gente não ia se ver hoje? NÃO, AQUILO FOI UM ACASO. ALIÁS, UM ACIDENTE. NÃO VAI ACONTECER DE NOVO. Não, olha só, a gente se encontrou foi por acaso, eu não tava programando aquilo, não da pra saber quando a gente vai se encontrar de novo né? Ah, tudo bem, da próxima vez eu te dou os pães de queijo. NÃO VAI TER PRÓXIMA VEZ FILHA!! Se bem que pão de queijo é uma proposta tentadora. Ah, ok XD. 

Essa foi só a primeira de muitas mensagens. Incessantes, insistentes, meio repetitivas até. Queria lembrar de mais coisas, mas muito eu já esqueci. Sabem como é, a memória apaga as coisas ruins.

Oiiiii. Oi. Você ta chateado? Hein? Não, pq? Pq vc mandou um "oi" tão murcho. Não, eu não to chateado, todos os meus ois são assim. Foi alguma coisa que eu fiz? Ai meu caralho pqp. Não, você não fez nada. Aqui, melhorou? Oi XD. Melhorou sim :).

Não preciso nem dizer que era meio louca né? Mas o pior ainda estava por vir.

Você não estudou no colégio X? Estudei sim. Ano passado né? Sim. Terceiro ano né? Sim, pq? Eu ficava te vendo lá com seus amigos, eu ficava te observando almoçar toda semana no restaurante XYZ. Fodeu, ela sabe onde eu moro e está armada. 

A partir daí ficou claro para mim que ela queria meu corpo nu em cima da mesa dela. Nem que fosse para remover o meu fígado cirurgicamente. 

Naturalmente, como qualquer pessoa que se encontra perseguida por uma pessoa potencialmente perigosa, fiquei um tanto quanto assustado. Confesso que não sabia o que fazer. Não, bloquear a menina não era uma opção. Em parte porque não pensei nisso, era óbvio demais para ser uma idéia minha. Spoiler alert: Eu nunca faço nada óbvio. Eu sou incapaz do óbvio. 

Enfim, meu estratagema brilhante foi até um tanto simples: ficar na espreita para dar o bote. O bote, sendo, no caso, uma fuga em desabalada carreira para alguma outra dimensão paralela. 

Depois de algumas semanas, a oportunidade perfeita surgiu. No dia dos namorados. Ela me mandou uma foto segurando uma flor. Que flor bonita! Seu namorado que te deu? Não, foi o moço da floricultura. Eu disse que não tinha namorado e ele ficou com pena, disse que eu era muito bonita e me deu essa flor. E você, tem namorada? Não. Mas to quase, vou sair com ela hoje e espero que tudo de certo.

Silêncio avassalador do outro lado. Desfrutei desse silêncio por mais três ou quatro meses. Completo o esquecimento, bloquei-a do meu facebook. 

Também fiz uma plástica, troquei de nome, endereço e arranjei uma segunda família no Ceará.

Nunca se sabe.

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