-Eu não acredito em neve.
A noticia foi recebida com ceticismo à mesa. Por um momento, todos deixaram de lado seus pratos para digerir a estranha sentença. Não é o tipo de noticia bombástica que se espera à mesa de jantar. Talvez no almoço. Mas definitivamente não é noticia para a mesa de jantar.
Ele nunca fora exatamente um tipo crédulo. Na verdade, era meio que o oposto. Totalmente o oposto. Ele parecia ter uma espécie de alergia a acreditar. Nunca acreditara em Papai Noel, por exemplo. Ou que a Lua era feita de queijo. Ou em Barbra Streisand. Mas neve era demais.
-Porque? Perguntou o pai como quem pergunta: Aonde foi que errei?
-Você já viu neve? Eu nunca vi. Só ouço falar nessa tal de "neve". Eu nunca vi, não existe.
-Também nunca vi seu cérebro...
-Mas é diferente. A ciência pode comprovar a existência do meu cérebro.
O pai não disse nada, apenas levou a mão à testa e suspirou. Ele olhou para a sua faca, à mão. Mas achou melhor buscar uma foto no albúm da lua de mel.
-Está vendo aqui está coisa branca no chão filho? É a neve.
-Mentira. É Photoshop.
-Naquela época não tinha computador ainda.
-Então é algodão!
-Escuta aqui! Existem milhões de lugar com neve! Será que é tão difícil assim para você aceitar isso?!
-É exatamente isso que eles querem que você pense! Será que vocês não entendem? Ele assumiu o tom solene dos grandes oradores e subiu em cima da mesa de jantar. A neve é apenas ficção. Ela não existe de verdade, mas sim em nossas mentes. Ela existe na cabeça de cada um de nós porque todos fomos educados para isso. A "neve" é só uma lavagem cerebral. É uma maneira dos países "desenvolvidos" nos humilharem e se colocarem em um patamar acima. Isso tá tão na cara. Só vocês mesmo pra acreditar na neve.
O pai se levantou calmamente, deixou a faca de lado sem muita convicção e foi tomar uma ducha.
O filho foi as ruas espalhar a revolução e nunca mais foi visto. Especula-se que ele esteja em busca de um sentido para a sua vida .Ou da Barbra Streisand. O que vier primeiro. Mas ninguém sabe afirmar com certeza.
E os que sabiam também estão desaparecidos. Ou mortos.
...
Há 11 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário