17 de jan. de 2011

Nevasca

-Eu não acredito em neve.

 A noticia foi recebida com ceticismo à mesa. Por um momento, todos deixaram de lado seus pratos para digerir a estranha sentença. Não é o tipo de noticia bombástica que se espera à mesa de jantar. Talvez no almoço. Mas definitivamente não é noticia para a mesa de jantar.

Ele nunca fora exatamente um tipo crédulo. Na verdade, era meio que o oposto. Totalmente o oposto. Ele parecia ter uma espécie de alergia a acreditar. Nunca acreditara em Papai Noel, por exemplo. Ou que a Lua era feita de queijo. Ou em Barbra Streisand. Mas neve era demais.

-Porque? Perguntou o pai como quem pergunta: Aonde foi que errei?

-Você já viu neve? Eu nunca vi. Só ouço falar nessa tal de "neve". Eu nunca vi, não existe.

-Também nunca vi seu cérebro...

-Mas é diferente. A ciência pode comprovar a existência do meu cérebro.

O pai não disse nada, apenas levou a mão à testa e suspirou. Ele olhou para a sua faca, à mão. Mas achou melhor buscar uma foto no albúm da lua de mel.

-Está vendo aqui está coisa branca no chão filho? É a neve.

-Mentira. É Photoshop.

-Naquela época não tinha computador ainda.

-Então é algodão!

-Escuta aqui! Existem milhões de lugar com neve! Será que é tão difícil assim para você aceitar isso?!

-É exatamente isso que eles querem que você pense! Será que vocês não entendem? Ele assumiu o tom solene dos grandes oradores e subiu em cima da mesa de jantar. A neve é apenas ficção. Ela não existe de verdade, mas sim em nossas mentes. Ela existe na cabeça de cada um de nós porque todos fomos educados para isso. A "neve" é só uma lavagem cerebral. É uma maneira dos países "desenvolvidos" nos humilharem e se colocarem em um patamar acima. Isso tá tão na cara. Só vocês mesmo pra acreditar na neve.

O pai se levantou calmamente, deixou a faca de lado sem muita convicção e foi tomar uma ducha.

O filho foi as ruas espalhar a revolução e nunca mais foi visto. Especula-se que ele esteja em busca de um sentido para a sua vida .Ou da Barbra Streisand. O que vier primeiro. Mas ninguém sabe afirmar com certeza.
E os que sabiam também estão desaparecidos. Ou mortos.

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