10 de set. de 2012

Precisamos de mais anjos

"Ali ele virou uma espécie de anjo vingador. Um anjo preto, zangado, irritadiço e sempre à beira de um ataque de nervos." 

Essa frase, retirada da coluna de hoje do Noblat, é uma definição da repercussão do papel de Joaquim Barbosa no julgamento do Mensalão. Mas, sem querer, o colunista do Globo dá uma aula sobre como funciona o racismo no Brasil.

Observemos que, após qualificar o Ministro como anjo, ele acrescenta algumas características que, da maneira como está escrito, parecem não ser as que lhes são normalmente atribuídas. Dentre elas, negro.


"Não sou racista. Tenho quatro amigos negros."
Antes de prosseguir, quero deixar algo bem claro: este texto NÃO é muito menos pretende ser uma apologia ao racismo, nem desejo acusar o Noblat de ser um nazista ou algo do gênero. Estou apenas tentando fazer uma análise dos acontecimentos.

E o fato é que nós somos absurdamente racistas. Mas nosso racismo não é daquele tipo honesto e escancarado. É um segredo guardado a sete chaves. É racismo do cara que diz que claro que não, que absurdo, não sou racista, tenho até um amigo negro com a maior naturalidade, como se ter algum amigo negro fosse algo absolutamente incomum e inusitado.

É um racismo que só vem a tona quando, ao descrever um anjo, precisamos frisar que ele é negro, porque, se não o fizermos, ninguém vai perceber. E esse tipo de comportamento está tão enraizado em nossa cultura que nós nem nos damos conta de que o repetimos na maior parte do tempo. Inclusive, muitos dos que lerem este texto vão achar que eu estou ficando maluco e vendo coisas. Alguém poderia dizer, para contrapor meu argumento, que nunca viu uma imagem de um anjo negro representada em lugar nenhum, ao que eu responderia, como qualquer pessoa sensata, que isso é só mais uma evidência gritante do óbvio: a sociedade brasileira é racista.

E não apenas somos racistas como, num perfeito caso de esquizofrenia coletiva, negamos com veemência nosso racismo e desenvolvemo um agudo preconceito contra pessoas racistas. É um mecanismo de auto-defesa, na medida em que o racismo que enxergamos nos outros absolve-nos da nossa própria visão racista de ver o mundo. Aliás, onde escrevi esquizofrenia, poderia muito bem estar escrito hipocrisia que o texto não perderia muito em sentido.



Basta apenas recordarmos daquela pesquisa que mostrou que, embora cerca de 95% dos brasileiros não se considerassem racistas, um número ainda maior disse conhecer alguém racista. Provavelmente devem ter visto algum racista andando na rua alguma vez mas assim, bem de longe, porque eu não tenho nada a ver com isso.

O que torna o racismo tão difícil de ser erradicado no Brasil é justamente seu caráter sigiloso, agravado pela recusa dos brasileiros em admitir que tem algo de podre no meio da democracia racial. E a admissão de um vício, como se sabe, é o primeiro passo para sua superação.

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